Morte:
Das coisas que eu já fiz, creio que viver foi a mais
dolorosa e a mais enigmática. E a mais vazia também: eu poderia ter falado
menos e visto o mar. Ó Deus, o mar... A vida deveria ser resumida talvez apenas
em ondas, areia e conchas, donde os humanos, essa raça tão paralisante e
enjoativa, escutariam a si mesmos no incessante burburinho dos búzios marinhos.
Aí, quem sabe, a existência doeria menos e os enigmas encontrassem um ponto de
descoberta. Por isso o arrependimento, por isso essa sensação limpa de nada que
toma conta de mim: é a soma de partes inteiramente fragmentadas, dispersas no
abismo ora real ora onírico do mundo dos transeuntes. Eis-me aqui, morto-vivo.
E continuamente recolhendo pedaços de mim.
Infância:
Ei, pai, agora eu já cresci. Lembra que você não queria que
isso acontecesse? Eu confesso, também não queria. A infância é aquela pessoa
que fala alto demais e quer ser notada. Parece chata, e às vezes até é, mas
marca tão profundamente que é difícil fingir que ela não houve. Eu agora cresci
e sou como você, sendo apenas diferente. Durmo menos que você, sou menos sisudo
e ainda gosto de brincar: pareço menino. Isso é normal? Acho que sei o que você
diria: "Normal é não ser você". E eu riria e me entristecia com isso,
mesmo não entendendo como tal coisa pode acontecer. Só te lembro um detalhe que
você deixou passar: você me deu deuses e monstros e eu, depois de todo esse
tempo, os devolvo a ti como histórias. "Histórias de uma criancice sem fim":
é como eu poderia me chamar. Pai, é isso, seu filho te escreveu. Finalmente,
ele cresceu.
Amor:
Prometa-me que a ventania vai passar e a gente vai voltar. É
muito estranho não ter uma parte de mim.
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